O que eu vou ser quando crescer
Acorda, senta em sua cama, levanta, volta a deitar. O mundo girando e girando em sua cabeça, milhões e milhares de coisas que ela gostaria de ter feito e não fez, por medo, por falta de talento, por azar, talvez. E dentro de seu corpo o vazio, a solidão que ela não consegue preencher, um casca de noz sem uma castanha dentro é isso o que ela era. Somente a sensação de que afinal em todos esse anos ao invés de evoluir ela regrediu, perdeu sua maleta de sonhos, caiu em uma dessas pedras da estrada e a sua alma ficou lá, embiaxo de um tanto de terra, na gaiola do diabo, tal qual um Sam Winchester terceiro-mundista.
Ela levanta em seu cubículo de quarto, sala, cozinha, banheiro, tudo junto, faz seu café, aquela droga negra que não vive sem, acende seu cigarro e saboreia lenta e prazeirosamente o seu futuro cancêr. Na vitrola um ensandecido Cobain, berra seus versos de depressão juvenil. E em seus devaneios matinais, a pequena perdedora sonha mais uma vez com tudo aquilo que queria dizer, ser, fazer, e que o ingresso nesse mundo do tripalium pequeno-burguês-capitalista, não lhe deixou alcançar.
Aquela vida de estrela da música, literatura e cinema, adorada pela multidão, uma Evita Perón, uma Clarice Lispector, uma Marylin Monroe, suas frases recitadas, sua voz ressoada por todas as ondas de rádio, tudo isso perdido pela sua origem humildade do interior do Brasil que vem para a cidade grande com uma mochila de sonhos e que a vende para sobreviver nessa selva de pedra. E não adianta mais sonhar, mas isso é o único resquício de humanidade que lhe resta, a única coisa que lhe mantem viva. Então ela devaneia um pouco mais se vê em um palco todo iluminado, o seu nome, todo mundo gritando, ah a adoração do público, o reconhecimento, ah a paixão....
E eis que o despertador toca, Simone termina seu cigarro e com ele a única vida que lhe agrada, pega seu uniforme e sai para mais um dia de hamburguer, fritas, Mc Donald's, para mais uma morte diária. Para ela sonhar é melhor que viver.
- Ouvindo um pouco de The Smiths para alegrar meu dia.
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